A Defensoria Pública é uma das instituições que dão forma ao sistema de justiça brasileiro. Pautada em valores como acesso à justiça, isonomia, devido processo legal e redução das desigualdades sociais, a Defensoria Pública se volta para as pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade, prestando assistência jurídica integral e gratuita.
Tal assistência jurídica, tal como a sua prestação pela Defensoria Pública, tem previsão em norma constitucional. Assim fez prever a Constituinte de 1987, pois vozes lúcidas ali reunidas em assembleia notaram que a Defensoria Pública tinha todo o potencial para ser muito mais do que uma mera advocacia gratuita ou supletiva para pessoas pobres.
Defensoria Pública é muito mais que isso. A assistência jurídica, para além de especializada em direitos e situações jurídicas muito específicas de seu públicoalvo, tem como foco superar os fatores que vulneram a população brasileira necessitada. E este é o resultado de uma atenção especializada e institucionalizada em causas referentes à saúde, previdência e assistência social; idosos, crianças e mulheres vítimas de violência doméstica e familiar; igualdade racial e não discriminação; migração e refúgio; segurança pública e sistema penitenciário; comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e outras tradicionais, entre outras.
Não é exagero dizer que a Defensoria, assim, acaba por, ao prestar assistência jurídica, ter um viés de assistência social próprio para pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade no Brasil.
Contudo, a sua situação institucional é crítica, especialmente quando se trata da Defensoria Pública da União (DPU). Implementada em 1995 de forma emergencial e provisória (Lei 9.020), também não é exagero afirmar que até hoje a DPU segue tal como implementada: emergencial e provisória, apesar de toda a sua consolidação como instituição indispensável para o povo brasileiro.
Com um orçamento que chega a ser 24 vezes menor do que o do Poder Judiciário Federal, 12 vezes menor do que o do Ministério Público da União (MPU) e seis vezes menor do que o da Advocacia Pública federal, é ilusório crer que a DPU garanta que o sistema de justiça federal seja efetivamente justo. São apenas 679 defensores e defensoras federais para se contrapor a mais de 1,5 mil membros do Ministério Público Federal (MPF) e a mais de 7 mil advogados públicos federais.
Limitada pela “Emenda do Teto dos Gastos” (Emenda Constitucional – EC 95/2016), todo este cenário explica um fato chocante sobre o sistema de justiça federal: a DPU somente consegue estar em 28,7% do território nacional.
É por isso que se falou, acima, que a DPU funciona tal como implementada em 1995, isto é, de forma emergencial e provisória. E a falta de defensores e defensoras federais é mais grave no Norte e no Nordeste brasileiro, onde o baixo índice de desenvolvimento humano (IDH) e a fome tendem a ser, lamentavelmente, mais viscerais.
É inegável que a atuação da DPU é de uma excelência que a torna indispensável e urgente para todo país. Durante a maior crise sanitária do século, com a pandemia de Covid-19, além de toda a atuação estratégica para garantir o direito à saúde, aproximadamente 470 defensoras e defensores federais fizeram mais de 150.000 atendimentos cada em casos de auxílio-emergencial (único benefício assistencial instituído como política assistencial para o período).
Nos últimos anos, a DPU ainda se destacou por conseguir resgatar centenas de pessoas vítimas de trabalho escravo. Recentemente, em 2023, logo após ter colaboração reconhecidamente essencial com o Ministério da Justiça e Segurança Pública nos desdobramentos dos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro, a DPU foi uma das primeiras instituições a chegar às tribos Yanomami de Roraima, vítimas de omissões que têm conduzido à miséria extrema, prejuízo à saúde e morte de centenas de indígenas.
O trabalho exitoso da DPU tem sido tão reconhecido que pelo menos seis colegas com atuação bem centrada em direitos humanos foram chamados para compor pastas dos Ministérios de Direitos Humanos e Cidadania, Desenvolvimento Social e Povos Indígenas.
Em suma, definitivamente, a DPU é indispensável para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Portanto, tal construção perpassa pela atenção do Estado brasileiro para com a necessidade de interiorizar a DPU, garantindo a esta instituição os meios necessários para tanto.
É preciso lembrar que, com a EC 80/2014, o Estado brasileiro se comprometeu a, em oito anos, finalizar toda a implementação da Defensoria no país. Contudo, este prazo expirou em junho de 2022 e ainda não há uma política específica para a solução desta questão.
De toda forma, a DPU segue firme, mas precisando ser forte, precisando de fortalecimento e atenção do Estado brasileiro.
EDUARDO KASSUGA – Presidente da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais (Anadef). Possui graduação em Direito pela UFRJ, com especialização em Criminologia, Direito Penal e Direito Processual Penal pela PUC-RS. Foi defensor público estadual e atualmente é defensor público federal em Belém (PA)
Fonte: Jota