EDILSON SANTANA GONÇALVES FILHO
GUSTAVO DAYRELL
RENATA MARTINS DE SOUZA
O tema da democracia tem despertado muitas reflexões, dos antigos aos modernos. As variantes e teses a respeito de seu significado e formas de exercício não se afastam da ideia – comum a todas vertentes, desde suas origens na Grécia – de que as decisões públicas devam ser obtidas por meio de processos deliberativos.
A solução de desentendimentos sociais passa pela deliberação democrática, a partir da possibilidade de apresentação dos diversos pontos de vista, motivo pelo qual ela vai além da capacidade de votar. O procedimento deliberativo, neste aspecto, é capaz de conferir legitimidade às decisões, estimulando os cidadãos a confiarem nas instituições que as proferem. Para isso, contudo, é indispensável que haja a possibilidade de participar de fóruns de discussão.
Além do número de pessoas que participam, a democracia se mede pela quantidade de espaços nos quais se exercita a participação democrática. Os tribunais do Poder Judiciário estão entre estes fóruns e deriva daí a importância de que seus ministros possam expressar as mais diversas visões de mundo que encontrem amparo no sistema constitucionalmente instituído.
Eis, aqui, um problema histórico, que se relaciona com a efetiva falta de participação das camadas mais vulneráveis da sociedade brasileira. No Brasil, a Constituição Federal determina que, além daqueles que já são magistrados, a composição dos tribunais terá um quinto de seus membros recrutados entre advogados e membros do Ministério Público. Trata-se do conhecido quinto constitucional, expressão pela qual a regra ficou conhecida no jargão jurídico. É ela que possibilita que os Tribunais sejam constantemente renovados, permitindo que membros do Ministério Público e da Advocacia integrem os quadros da Magistratura.
A finalidade da norma constitucional é evidente: viabilizar que profissionais provenientes de outras áreas, além do próprio Poder Judiciário, tenham acesso à função julgadora, ampliando a pluralidade de visões nas cortes, com suas experiências e vivências profissionais. Solidifica-se, assim, a relação com a moderna concepção do princípio democrático, um dos fundamentos da República.
Não foi prevista, contudo, regra para que a instituição que possui como principal
função a defesa dos grupos mais vulnerabilizados possa chegar aos tribunais. Com efeito, isso equivale a reduzir ou mesmo impedir que o ponto de vista desses grupos seja consolidado como posição julgadora, além de, evidentemente, tornar a carreira dos defensores públicos menos atraente.
A despeito do intuito manifestado pelo legislador com a reforma, que, por meio da Emenda Constitucional 80/2014, deixou isenta de dúvidas a simetria existente entre a Defensoria Pública e o Ministério Público, o texto da constituição não foi modificado para incluir os defensores na regra do quinto constitucional, o que esvazia, de forma significativa, o verdadeiro sentido de oxigenar os tribunais.
Com o julgamento do Supremo Tribunal Federal, que, em 2022, confirmou o entendimento de que a Defensoria Pública possui regime próprio, concluindo que a exigência de inscrição dos defensores públicos na Ordem dos Advogados do Brasil é inconstitucional, prejudica-se qualquer possibilidade de acesso dos defensores à composição dos tribunais por meio da regra do quinto constitucional (RE 1.240.999/SP). É preciso reconhecer que mesmo antes deste julgamento raramente era constatada nos Tribunais de Justiça dos estados ou nos Tribunais Regionais Federais, assim como no Superior Tribunal de Justiça, a presença de membros que tenham se dedicado à atuação na Defensoria Pública durante a
carreira.
Ao Supremo Tribunal Federal não se aplica a regra do quinto constitucional. Na corte constitucional, jamais houve um Ministro escolhido entre os membros da Defensoria Pública, o que parece confirmar que a questão é não só de técnica legislativa, mas sim, a representação de um déficit democrático cultural. Isso precisa ser enfrentado por meio de uma reforma no texto da constituição que inclua a instituição responsável pela defesa dos necessitados no rol daqueles que devem compor as cortes do país.
A corte de cúpula brasileira pode encontrar inspiração no exemplo norte- americano. Em 2022, o Presidente dos Estados Unidos indicou a juíza Ketanji Brown Jackson para a Suprema Corte daquele país. Brown é a primeira defensora pública a compor os quadros da corte. No Brasil, isso dependerá do presidente Lula, a quem competirá indicar novos ministros para repor as cadeiras que ficarão vagas no Supremo Tribunal Federal