Representantes da Defensoria Pública da União (DPU) repercutem como “um marco extremamente positivo” a assinatura formalizada nesta quinta-feira (19/09), pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Maranhão, do Termo de Conciliação, Compromissos e Reconhecimentos Recíprocos, relativo ao Acordo de Alcântara, município daquele estado.
A conciliação tem como objetivo colocar fim em uma antiga disputa que envolve a luta da comunidade quilombola da região pela titularidade da área dos seus ancestrais e a ampliação do Centro de Lançamento Aeroespacial de Alcântara.
Pouco antes da solenidade, o presidente Lula assinou mensagem ao Congresso Nacional encaminhando o Projeto de Lei que cria a Alada, empresa pública destinada ao desenvolvimento de projetos e de equipamentos aeroespaciais. De acordo com o defensor público federal Yuri Costa, para a DPU, que há uma década atua na assessoria jurídica a essas comunidades, o acordo representa um grande feito.
Costa contou que a Defensoria Pública foi procurada pelas entidades do território étnico de Alcântara para lhes prestar assessoria jurídica há cerca de 10 anos e sempre procurou atuar buscando o diálogo entre as partes. O defensor relatou que, ao longo desse período, o principal obstáculo enfrentado foi a falta de dados, assim como a falta de cumprimento das leis pelo Estado brasileiro (tanto legislações federais como estaduais e municipais) e a falta de diálogo para efetivar leis nacionais e internacionais sobre o tema.
Da mesma forma, explicou que foram inúmeras as tentativas de expansão da área ocupada pelo Centro de Lançamento de Alcântara e, em alguns casos houve reversão, como resultado da judicialização promovida pela DPU.
Defesa dos compromissos
“Quanto à regularização fundiária da área, nossa principal pauta é fazer com que sejam cumpridos, primeiro, direitos territoriais; fazer a regularização fundiária para a reforma agrária; e fazer valer o direito de consulta prévia para os integrantes dessas comunidades. Porque há 40 anos eles estão sujeitos a um centro espacial que por muitos anos anunciou que seria expandido. E a consulta prévia ao território, nesse contexto, é fundamental”, ressaltou o defensor Yuri Costa.
O acordo firmado estabelece que, em vez de uma possível expansão do Centro de Lançamento, fica consolidada a área do Centro e, ao mesmo tempo, reconhecidas as terras quilombolas para que sejam iniciados os procedimentos para a titulação da área.
Costa enfatizou que o processo de aproximação da DPU com a comunidade de Alcântara foi sendo consolidado aos poucos. Segundo ele, as comunidades lá existentes possuem instituições sólidas de quatro décadas de luta, com autonomia política, inclusive, muito forte.
“A Defensoria Pública da União foi criando essa confiança, mostrando que é uma parceira no processo. E a estratégia que sempre utilizamos foi da assessoria jurídica baseada em diálogo aberto e transparente com essas comunidades, ao mesmo tempo deixando as decisões políticas do movimento a cargo deles”, afirmou.
Área restrita
Com o acordo, fica inquestionável que o Centro de Lançamento, daqui por diante, está restrito à área que já ocupa, enquanto o território originalmente delineado pelo relatório do Incra, referente à área quilombola de 78 mil hectares, seja respeitado. O defensor explicou que, ao longo de 40 anos, várias questões jurídicas foram surgindo, e o próximo passo é formar um grupo interinstitucional, do qual a DPU também fará parte, para avançar na efetiva titulação do território. Esse grupo deverá monitorar o cumprimento do acordo de titularidade das terras quilombolas e participar de todo o processo.
Yuri Costa destacou, ainda, que a criação da empresa pública Alada acontece em paralelo aos direitos dos quilombolas e não em sentido contrário. Ele acrescentou que “os quilombolas de Alcântara nunca foram contrários à modernização nem a nenhum projeto aeroespacial. Apenas queriam e querem respeito à territorialidade deles”.
“Essa é uma empresa que torcemos que dê o retorno que o Brasil espera, mas esperamos que, a partir de agora, atue estritamente na área já ocupada pelo Centro de Lançamento, sem que represente violação aos direitos dessas comunidades”, frisou.
Corte Interamericana
Existe ainda um processo pendente de julgamento sobre o caso de Alcântara na Corte Interamericana de Direitos Humanos. O tema chegou a ser tratado durante audiência realizada no Chile, no ano passado, com a participação da DPU (que figura como componente da ação).
“O acordo firmado hoje será, claro, encaminhado à Corte Interamericana. Mas independentemente disso, esperamos internacionalmente um reconhecimento definitivo dos direitos territoriais das comunidades tradicionais quilombolas de Alcântara. O direito territorial não tem a mesma lógica do direito agrário ou do direito fundiário. Quando a gente fala, por exemplo, de reforma agrária, a gente fala da possibilidade de uma terra num local ser substituída por outra. Já no direito territorial não existe essa lógica. O direito territorial é o direito que garante várias questões àquele território específico. Inclusive questões de sagrado, referentes à religiosidade e à ancestralidade. É, por isso, um direito intransferível”, acentuou Yuri Costa.