Apresentado pelo governo federal ao Congresso Nacional nesta semana, o texto inicial do novo arcabouço fiscal não excepcionou, como se esperava, a Defensoria Pública da União (DPU) – e é frustrante a decisão de manter a instituição com as amarras impostas pelo teto de gastos.
Muito nos preocupa a possibilidade de que o documento não seja revisto imediatamente, diante da realidade atual, em que claramente é impossível cumprir a Emenda Constitucional 80/2014.
Esta emenda obriga o Estado brasileiro a implementar a Defensoria Pública em todo país. Sucede que, atualmente, o orçamento da DPU não permite uma atuação em todo território nacional, mas apenas em 28,7% do país. Do outro lado, a população em situação de vulnerabilidade clama pela assistência jurídica das defensoras e defensores públicos federais.
Nessa esteira, a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais (Anadef) inicia mobilização para possibilitar a atuação da DPU aos mais de 80 milhões de brasileiros potenciais usuários dos serviços da instituição. E é por eles que se está lutando. Busca-se uma estrutura adequada para que a DPU garanta a esta parcela mais vulnerável da nossa sociedade assistência jurídica integral e gratuita a todos, como prevê a Constituição.
Excepcionando a DPU da âncora fiscal não haverá prejuízos ao orçamento do governo federal. Atualmente, o valor destinado à Defensoria é de apenas R$ 677 milhões por ano, cifra aproximadamente 24 vezes menor que o da Justiça Federal, 12 vezes menor que o destinado ao Ministério Público da União e seis vezes menor que o valor da Advocacia-Geral da União. Ora, não é preciso esforço para compreender que se o orçamento da DPU fosse duplicado ou até mesmo triplicado, não haveria impacto significativo para os cofres públicos e os benefícios à população seriam incalculáveis, com a expansão da DPU.
O não cumprimento da EC 80/2014 provoca consequências sérias em diversas esferas populacionais. Os prejuízos se acumulam nas comunidades tradicionais, nas famílias e pessoas que necessitam de Benefício de Prestação Continuada (BPC-LOAS) e cidadãos que precisam do Bolsa Família, do Minha Casa Minha Vida e do Fies. Isso sem falar nos segurados rurais, população campesina, pescadores que precisam do seguro defeso, por exemplo, e nos portadores de doenças que demandam medicamentos não descritos na relação de medicamentos do SUS ou tratamentos de alta complexidade. A lista é, de fato, extensa e não podemos dar aval a esta falha grave na execução da política social brasileira. Da forma como estamos, o cidadão tem apenas no papel o direito ao atendimento, mas não o possui na prática, o que é um verdadeiro retrocesso.
Não podemos deixar que todas essas pessoas sofram as consequências da falta de um atendimento da DPU. A Emenda 80 já vem sendo descumprida e esta é uma situação insustentável, que não pode se perpetuar no país. Por isso, clama-se para que o arcabouço fiscal seja revisto em prol da sociedade brasileira.
Fonte: Jornal Jota
EDUARDO KASSUGA – Presidente da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais (Anadef). Possui graduação em Direito pela UFRJ, com especialização em Criminologia, Direito Penal e Direito Processual Penal pela PUC-RS. Foi defensor público estadual e atualmente é defensor público federal em Belém (PA)