O mês de junho de 2024 marcou uma década de uma luta que move as defensoras e os defensores públicos federais todos os dias. Há 10 anos, foi promulgada a Emenda Constitucional 80/2014, com uma diretriz constitucional muito clara: em oito anos — portanto, até 2022 — deveria estar assegurada a presença de defensores públicos federais em todas as localidades com presença da Justiça Federal do país. O objetivo inscrito na Constituição era atender às necessidades da população mais vulnerável para garantir seus direitos básicos, especialmente nas regiões com maiores índices de exclusão social.
Há 10 anos, foi promulgada a Emenda Constitucional 80/2014, com uma diretriz constitucional muito clara: em oito anos — portanto, até 2022 — deveria estar assegurada a presença de defensores públicos federais em todas as localidades com presença da Justiça Federal do país
Infelizmente, estamos longe da meta estabelecida na Carta Magna. O prazo de oito anos venceu, já tivemos mais dois de acréscimo forçado e, hoje, a defensoria está presente em apenas 30% das cidades brasileiras onde existe uma unidade da Justiça Federal. Em si mesmo, o descumprimento de um preceito constitucional já seria algo grave do ponto de vista do ordenamento jurídico de uma nação. Se somarmos a isso o fato de estarmos falando de um país profundamente desigual, a falha é ainda mais condenável.
A ausência de defensores federais significa menos direitos e mais desigualdades. Isso no país que registrou, em 2022, quase 4 mil assassinatos de mulheres e mais de 45 mil homicídios em geral — uma morte violenta a cada 11 minutos e meio, segundo o Atlas da Violência 2024. A Defensoria também cuida dos mais idosos, assegurando o acesso a benefícios que garantem dignidade em uma fase tão delicada de suas existências. Auxilia pessoas no acesso a medicamentos que seriam inacessíveis se fossem adquiridos na rede particular de saúde. E na marcação de consultas e exames nos casos de maior necessidade. Ajuda os imigrantes na fronteira, acolhe e orienta a população de rua que não é enxergada pela sociedade. E atua em uma infinidade de outras áreas, mesmo com nossos braços curtos. Porque uma Defensoria que não pode estar presente onde os direitos são sonegados ou impedidos implica menos ajuda aos necessitados em casos de tragédia — seja ela cotidiana, seja ela abrupta. Apesar das limitações impostas à atuação ampliada de defensores públicos federais, seguimos auxiliando as vítimas da tragédia climática do Rio Grande do Sul. Defensores públicos federais, ainda que direta e pessoalmente atingidos pela mesma tragédia, lideraram diversos mutirões para assegurar às vítimas a garantia de seus direitos mais básicos, em um cenário agravado pelo fato de que, em muitos casos, todos os documentos comprobatórios de identidade foram perdidos, levados pelas águas.
A ausência de defensores federais significa menos direitos e mais desigualdades. Isso no país que registrou, em 2022, quase 4 mil assassinatos de mulheres e mais de 45 mil homicídios em geral
As chuvas passaram, mas o trabalho continua. Ficou acertada a atuação da DPU na Caravana de Direitos do Rio Grande do Sul, desde o início deste mês. Trata-se de uma parceria com a Advocacia-Geral da União para levar atendimento presencial aos municípios gaúchos, promovendo o acesso da população a direitos previstos em políticas públicas, sem a necessidade de que essas pessoas precisem acionar a Justiça.
Os defensores também estão presentes no cotidiano da população carente como o verdadeiro “sim ao povo”. Atuamos sem coloração partidária e contra todas as formas de discriminação. São múltiplas as nossas frentes de atuação. Nos primeiros cinco meses deste ano, a DPU realizou cerca de 700 mil atendimentos, promoveu cerca de 14 mil conciliações extrajudiciais (quando os casos são resolvidos sem a necessidade de intervenções judiciais), firmou 4,7 mil tutelas coletivas, alcançando um total de 3 milhões de pessoas. Isso tudo com apenas 690 defensores e um orçamento de pouco mais de R$ 600 milhões.
Além do não cumprimento da EC 80, ainda fomos prejudicados, sucessivamente, pelo teto de gastos e pelas regras do arcabouço fiscal. Por isso, a necessidade de que haja uma humanização nas regras fiscais que permita a implementação do plano de interiorização das defensorias, o que permitiria um respiro nas nossas amarras orçamentárias. Só assim, mesmo que em velocidade abaixo do necessário, poderemos cumprir o preceito constitucional aprovado em 2014 de levar a Defensoria a toda a população que precisa de nós. Pelo nosso sonho e pelo sonho de tantos assistidos de um país que ainda precisa, diariamente, reafirmar o compromisso com a Justiça e a inclusão social.
Luciana Bregolin
Defensora-pública federal e presidente da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais (Anadef)